domingo, 17 de fevereiro de 2013


1o. DOMINGO DA QUARESMA - AS TENTAÇÕES DE JESUS


O dia estava muito quente. Um empregado trabalhava duro no jardim do seu patrão. Sem pensar duas vezes, começou a blasfemar gritando contra Adão e Eva porque, pensava, afinal foram eles a causa de tanto suor e fadiga. O patrão ouviu as suas imprecações, aproximou-se dele e perguntou:
- Por que estás xingando tanto assim Adão e Eva? Aposto que no lugar deles nós também teríamos feito a mesma coisa.
- Eu não – respondeu – irritado o trabalhador – eu teria resistido à tentação!
- Veremos – disse o patrão, e o convidou para o almoço.
Na hora marcada, o empregado apresentou-se à casa do senhor e foi levado a uma sala onde tinha uma mesa preparada com vários tipos de comida. O patrão lhe disse:
- Pode comer tudo o que quiser; somente não deve mexer na vasilha tampada que está no meio da mesa, até a minha volta.
O trabalhador, que estava com muita fome, aproveitou bastante da comida. No entanto, morrendo de curiosidade, não tirava os olhos da vasilha que estava no meio da mesa. O que estava escondido lá dentro? O patrão demorava e ele não resistiu. Bem devagarzinho levantou um pouco a tampa. Imediatamente saiu um rato. O empregado fez de tudo para pegá-lo e colocá-lo de volta. Mas a caçada foi difícil. Pratos caíram no chão e algumas cadeiras foram derrubadas ruidosamente. Com a zoada o patrão voltou e disse, sorrindo, ao seu funcionário:
- Meu amigo, daqui para frente será melhor xingar menos Adão e Eva, viu?
Uma historinha alegre para refletir sobre um assunto muito sério: a fragilidade humana. Cada um de nós tem as suas tentações e todos os dias experimentamos como é difícil resisti-las. Apesar dos alertas da nossa consciência sobre o erro que estamos para cometer, a tentação se apresenta sempre muito atrativa, fácil, vantajosa e sem perigo. Por que não aproveitar? Um pouco de risco também, muitas vezes, em lugar de desanimar, aumenta a vontade de provar a nossa esperteza. Como resistir? São Paulo diria: Quem me libertará deste corpo de morte? Ele mesmo responde: Graças sejam dadas a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. (cf. Rom 7,24-25).
No primeiro domingo de Quaresma, sempre encontramos um evangelho que nos fala das tentações de Jesus no deserto. Tentações terríveis que o acompanharam a vida inteira. O que estava em jogo era a própria missão dele. Jesus podia ter aproveitado da sua fama de “messias” para chegar ao poder, à riqueza, ao inebriante sucesso humano. Com certeza também alguns dos seus seguidores queriam que ele instaurasse um reino poderoso neste mundo. Um reino onde ele seria o mais importante, onde seria deus! Esta é, e sempre será, a tentação de todo ser humano: aceitar ser criatura limitada e, portanto, admitir a própria dependência de Deus, ou querer ser “deuses” e assim travar uma luta sem fim onde o Outro acaba sendo o eterno rival.
Desde a primeira tentação apresentada pela Bíblia tudo não passa de um grande engano. Deus oferece ao homem e à mulher um jardim para que sejam felizes, dentro dos limites de serem “criaturas” amadas por Ele. Na relação de obediência amorosa a Deus realizarão o sentido de suas vidas. Para serem felizes o homem e a mulher devem confiar em Deus. No entanto não pode ter amor verdadeiro sem liberdade e, portanto, sem uma adesão consciente e responsável. É neste ponto que entra em cena o Tentador. Simplesmente ele distorce para o casal a imagem de Deus. Ele não é nada confiável: Mente – não é verdade que irão morrer – e é ciumento, porque não lhes deixa conhecer o bem e o mal, assim nunca serão como Ele. Os dois caem na tentação, duvidando da palavra de Deus. A opção de toda escolha não é simplesmente entre ter fé ou não tê-la, é entre confiar em Deus ou optar pela própria autossuficiência.
A falta de fé-confiança nos afasta, cada vez mais, de Deus e nos impede de compreender o seu amor. A obediência-confiança total de Jesus ao Pai vence toda tentação e reconduz toda a humanidade, uma vez por todas, ao reencontro com o Deus verdadeiro, rico em misericórdia.
Em Jesus acaba a disputa entre Deus e o homem, porque nele Deus se manifestou plenamente confiável. Para nós é possível novamente corresponder livremente ao amor de Deus, porque Ele mesmo nunca deixou – e nem deixará – de amar a humanidade, mesmo quando é desobediente, revoltada e pecadora. Aí está a força para vencer toda tentação. Muitas vezes, porém, ainda “confiamos” mais nas ilusões do Tentador do que nas Palavras de Deus. A quaresma é sempre um tempo bom para reavivar a nossa fé, para reconstruir em nós a imagem dEle que o mal desfigurou.
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Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

VOCÊ SABE O QUE É UM CONCLAVE?



O conclave é um ritual praticamente inalterado desde há oito séculos: foi o Papa Gregório X que usou pela primeira vez a palavra em 1274 e instituiu a base dos atuais conclaves. Isto deveu-se à demorada sucessão do Papa Clemente IV, que demorou mais de um ano e meio. O Papa quis então prevenir que a escolha do Sumo Pontífice não demorasse tanto tempo, obrigando que a reunião tivesse de ser conclusiva.


Um conclave deve começar entre 15 e 20 dias depois da morte do Papa. Este prazo foi fixado na época medieval, quando viajar até Roma a partir de qualquer parte do mundo cristão era tarefa para demorar semanas, e embora hoje em dia os Cardeais possam fazê-lo em questão de poucas horas, manteve-se este intervalo para que os Cardeais aproveitem esse tempo para fazer reuniões entre si nas quais se debate o estado da Igreja ou, embora esteja teoricamente proibido, sondar alianças e candidatos. O intervalo denomina-se novemdiales. Este período termina com a missa Pro Eligendo Papa, com a presença de todos os Cardeais na Basílica de São Pedro na mesma manhã em que começa o conclave. Depois, os membros do Colégio Cardinalício dirigem-se à Capela Sistina, onde se fazem as votações.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Joseph Ratzinger - Papa Bento XVI



BIOGRAFIA
DE SUA SANTIDADE
BENTO XVI




O Cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, nasceu em Marktl am Inn, diocese de Passau (Alemanha), no dia 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo), e foi batizado no mesmo dia. O seu pai, comissário da polícia, provinha duma antiga família de agricultores da Baixa Baviera, de modestas condições econmicas. A sua mãe era filha de artesãos de Rimsting, no lago de Chiem, e antes de casar trabalhara como cozinheira em vários hotéis.
Passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena localidade perto da fronteira com a Áustria, a trinta quilómetros de Salisburgo. Foi neste ambiente, por ele próprio definido «mozarteano», que recebeu a sua formação cristã, humana e cultural.
O período da sua juventude não foi fácil. A fé e a educação da sua família prepararam-no para enfrentar a dura experiência daqueles tempos, em que o regime nazista mantinha um clima de grande hostilidade contra a Igreja Católica. O jovem Joseph viu os nazistas açoitarem o pároco antes da celebração da Santa Missa.
Precisamente nesta complexa situação, descobriu a beleza e a verdade da fé em Cristo; fundamental para ele foi a conduta da sua família, que sempre deu um claro testemunho de bondade e esperança, radicada numa conscienciosa pertença à Igreja.
Nos últimos meses da II Guerra Mundial, foi arrolado nos serviços auxiliares anti-aéreos.
Recebeu a Ordenação Sacerdotal em 29 de Junho de 1951.
Um ano depois, começou a sua actividade de professor na Escola Superior de Freising.
No ano de 1953, doutorou-se em teologia com a tese «Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho». Passados quatro anos, sob a direcção do conhecido professor de teologia fundamental Gottlieb Söhngen, conseguiu a habilitação para a docência com uma dissertação sobre «A teologia da história em São Boaventura».
Depois de desempenhar o cargo de professor de teologia dogmática e fundamental na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising, continuou a docência em Bonn, de 1959 a 1963; em Münster, de 1963 a 1966; e em Tubinga, de 1966 a 1969. A partir deste ano de 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma na Universidade de Ratisbona, onde ocupou também o cargo de Vice-Reitor da Universidade.
De 1962 a 1965, prestou um notável contributo ao Concílio Vaticano II como «perito»; viera como consultor teológico do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colónia.
A sua intensa actividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional.
Em 25 de Março de 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de München e Freising. A 28 de Maio seguinte, recebeu a sagração episcopal. Foi o primeiro sacerdote diocesano, depois de oitenta anos, que assumiu o governo pastoral da grande arquidiocese bávara. Escolheu como lema episcopal: «Colaborador da verdade»; assim o explicou ele mesmo: «Parecia-me, por um lado, encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova missão; o que estava em jogo, e continua a estar – embora com modalidades diferentes –, é seguir a verdade, estar ao seu serviço. E, por outro, escolhi este lema porque, no mundo actual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo algo demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a verdade».
Paulo VI criou-o Cardeal, do título presbiteral de “Santa Maria da Consolação no Tiburtino”, no Consistório de 27 de Junho desse mesmo ano.
Em 1978, participou no Conclave, celebrado de 25 a 26 de Agosto, que elegeu João Paulo I; este nomeou-o seu Enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional que teve lugar em Guayaquil (Equador) de 16 a 24 de Setembro. No mês de Outubro desse mesmo ano, participou também no Conclave que elegeu João Paulo II.
Foi Relator na V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizada em 1980, que tinha como tema «Missão da família cristã no mundo contemporâneo», e Presidente Delegado da VI Assembleia Geral Ordinária, celebrada em 1983, sobre «A reconciliação e a penitência na missão da Igreja».
João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e Presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, em 25 de Novembro de 1981. No dia 15 de Fevereiro de 1982, renunciou ao governo pastoral da arquidiocese de München e Freising. O Papa elevou-o à Ordem dos Bispos, atribuindo-lhe a sede suburbicária de Velletri-Segni, em 5 de Abril de 1993.
Foi Presidente da Comissão encarregada da preparação do Catecismo da Igreja Católica, a qual, após seis anos de trabalho (1986-1992), apresentou ao Santo Padre o novo Catecismo.
A 6 de Novembro de 1998, o Santo Padre aprovou a eleição do Cardeal Ratzinger para Vice-Decano do Colégio Cardinalício, realizada pelos Cardeais da Ordem dos Bispos. E, no dia 30 de Novembro de 2002, aprovou a sua eleição para Decano; com este cargo, foi-lhe atribuída também a sede suburbicária de Óstia.
Em 1999, foi como Enviado especial do Papa às celebrações pelo XII centenário da criação da diocese de Paderborn, Alemanha, que tiveram lugar a 3 de Janeiro.
Desde 13 de Novembro de 2000, era Membro honorário da Academia Pontifícia das Ciências.
Na Cúria Romana, foi Membro do Conselho da Secretaria de Estado para as Relações com os Estados; das Congregações para as Igrejas Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero, e para as Causas dos Santos; dos Conselhos Pontifícios para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e para a Cultura; do Tribunal Supremo da Signatura Apostólica; e das Comissões Pontifícias para a América Latina, «Ecclesia Dei», para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canónico, e para a revisão do Código de Direito Canónico Oriental.
Entre as suas numerosas publicações, ocupam lugar de destaque o livro «Introdução ao Cristianismo», uma compilação de lições universitárias publicadas em 1968 sobre a profissão de fé apostólica, e o livro «Dogma e Revelação» (1973), uma antologia de ensaios, homilias e meditações, dedicadas à pastoral.
Grande ressonância teve a conferência que pronunciou perante a Academia Católica Bávara sobre o tema «Por que continuo ainda na Igreja?»; com a sua habitual clareza, afirmou então: «Só na Igreja é possível ser cristão, não ao lado da Igreja».
No decurso dos anos, continuou abundante a série das suas publicações, constituindo um ponto de referência para muitas pessoas, especialmente para os que queriam entrar em profundidade no estudo da teologia. Em 1985 publicou o livro-entrevista «Informe sobre a Fé» e, em 1996, «O sal da terra». E, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, publicou o livro «Na escola da verdade», onde aparecem ilustrados vários aspectos da sua personalidade e da sua obra por diversos autores.
Recebeu numerosos doutoramentos «honoris causa»: pelo College of St. Thomas em St. Paul (Minnesota, Estados Unidos), em 1984; pela Universidade Católica de Eichstätt, em 1987; pela Universidade Católica de Lima, em 1986; pela Universidade Católica de Lublin, em 1988; pela Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha), em 1998; pela Livre Universidade Maria Santíssima Assunta (LUMSA, Roma), em 1999; pela Faculdade de Teologia da Universidade de Wroclaw (Polónia) no ano 2000.



A RENÚNCIA DO PAPA BENTO XVI



A renúncia de Bento XVI: um precedente evangélico

      Jornal do BrasilMaria Clara Lucchetti Bingemer*

Eram oito horas da manhã quando o telefone tocou.  Em pleno Carnaval, descansando fora do Rio, eu dormia até mais tarde.  A voz vinha de longe, e lentamente ativava as sinapses de meu cérebro.  Quando escutei “a renúncia do papa de Bento XVI ao cargo”, o choque de adrenalina me fez acordar de vez. Pedi um tempo para me inteirar da situação.  E fui verificar.  Era verdade. 
Em meio às plumas e paetês das escolas de samba, a notícia da renúncia do papa começou a ganhar volume e espaço.  E a assombrar a todos!  Nunca antes...jamais se viu...como pode ser...por quê?  Lembrei-me de outras ocasiões, quando minha mãe me avisou: “O papa morreu”. E eu lhe disse que se enganava por pensar que se referia a Paulo VI.  E era João Paulo I, o papa Sorriso.  Ali também havia a surpresa e o sabor do inesperado.  Ali também experimentávamos perplexidade. 
Bento XVI não morreu.  E isto faz toda a diferença.  Foi um papa lúcido e em plena posse de suas faculdades mentais que anunciou na Praça São Pedro sua decisão inabalável de renunciar ao cargo de bispo de Roma e de sucessor de Pedro.  Marcou data e prazo: 28 de fevereiro.  Agradeceu a todos que o ajudaram em seus quase oito anos de papado, pediu perdão pelos erros e...entregou a Igreja nas mãos de seu Supremo e Único Pastor, Jesus Cristo, assim como ao cuidado maternal de sua mãe Maria. 
Surpresa como todos diante do inesperado gesto de Bento XVI, aos poucos fui sentindo o peso e a importância desta decisão e deste anúncio.  Parece-me de uma grandeza impressionante, de uma coragem enorme e de uma inspiração evangélica. Nunca durante este pontificado senti tão presentes o sopro e o impulso do Espírito como neste anúncio dado na Praça de São Pedro no último dia 11 de fevereiro. 
A decisão livre e minuciosamente refletida e pensada de Bento XVI pode ter um enorme significado para a Igreja.  Porque se o papa pode deixar seu cargo por motivos de idade, por sentir que lhe faltam as forças e o vigor físicos para exercer como deveria a posição que ocupa, a mesma interpelação se abre para outros segmentos eclesiais.  Por que não teriam de fazer o mesmo os superiores das ordens e congregações religiosas masculinas e femininas? Por que se eternizam em cargos de chefia tantos coordenadores de movimentos leigos que não se mostram dispostos a dar um passo para liberar o caminho aos mais jovens? 
Antes do papa, a Igreja havia já assistido à renúncia do superior geral dos jesuítas, o holandês Peter Hans Kolvenbach.  Depois de 25 anos à frente da Companhia de Jesus, a ordem mais forte da Igreja, padre Kolvenbach apresentou sua renúncia.  Já vinha tentando fazê-lo desde o pontificado de João Paulo II, que nunca a aceitou.  No entanto, depositou-a nas mãos do papa Ratzinger, que entendeu perfeitamente seu desejo e sua decisão. 
O “Papa Negro” – como é chamado o geral dos jesuítas – ao renunciar prenunciava esta outra renúncia, a do papa sucessor de Pedro. Em ambos a mesma atitude de fundo: liberdade interior e desapego do poder.  Sair porque vê conscientemente seus limites.  Afastar-se do cargo porque reconhece humildemente não ter condições objetivas de exercê-lo. Deixar o poder que lhe foi outorgado pelo colégio cardinalício e reconhecido por toda a Igreja nas mãos desse mesmo colégio para que escolha um sucessor.  
No dia 28 de fevereiro, Bento XVI se retirará à sede de Castelgandolfo, no sul de Roma, e deixará o governo após quase oito anos de papado.  Depois de eleito seu sucessor, viverá na cidade do Vaticano, dedicando-se àquilo que ama fazer: ao estudo, à escrita, à oração. 
Com sua atitude nitidamente na contramão da lógica do poder, Bento XVI abre o caminho a uma reformulação do papado, que já deveria há muito ter sido feita na Igreja Católica.  Seu sucessor, seja ele quem for, encontrará esse precedente aberto, e isso certamente deverá impactar em seu comportamento, em seu estilo de governar e na compreensão que terá de seu cargo e ministério. 
Com seu gesto extremamente humilde e realista, Bento XVI deixa a autoridade que lhe foi conferida como papa, mas permanece investido de outra autoridade, mais evangélica, mais inspirada e inspiradora, mais perene: a autoridade do testemunho. Foi um confessor – como os do cristianismo primevo – aquele que, fragilizado pela idade e pelo cansaço, com a voz tênue e quase inaudível, reconheceu seus limites e abdicou do poder que detinha.  Assim entrava na esfera daquela humildade que deve ser mais forte e presente ainda nos que detêm cargos de mando, tal como ensinou o Mestre Jesus de Nazaré. 
Se faltasse ainda algo para convencer-nos da beleza do acontecimento que ungiu a Igreja inteira com a renúncia do papa, talvez fosse importante prestar atenção ao respeito atento e admirativo que esta despertou naqueles que mais divergiam de suas ideias e de seu magistério.  O teólogo brasileiro Leonardo Boff, por exemplo, declarou que a atitude de Bento XVI merece toda admiração e respeito. Assim também o teólogo suíço Hans Küng, com quem Ratzinger teve alguns embates bem conhecidos: "A decisão de Bento XVI merece grande respeito, é legítima, compreensível e também corajosa. Nunca esperei que este papa conseguisse me surpreender, algum dia, de maneira tão positiva". 
A nós, que somos espectadores e testemunhas deste evento histórico-teologal, que a atitude do papa nos inspire e ilumine nesta Quaresma, que agora começamos. 
* Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) e de 'Crônicas de cá e de lá' (Ed. Subiaoo), que podem ser encomendados diretamente à escritora. – agape@puc-rio.br 

VIVENCIANDO A QUARESMA



Espiritualidade da Quaresma
 A Lição do Cata-Vento





A quaresma se aproxima e com ela os apelos à conversão, renovação da fé, caridade. Meditando sobre esses aspectos, e a importância de Deus em nossas vidas, notei que o cata-vento sobre a cômoda do meu quarto estava girando. A brisa que entrava pela janela o impulsionava e o fazia dar voltas e mais voltas. O ambiente se encheu de graça. Subitamente percebi que havia uma correlação entre a minha meditação e o movimento do cata-vento. À semelhança da brisa, Deus nos impulsiona, presenteando-nos com a vivência e experiência do seu amor, através desse tempo de preparação para a Páscoa.

Quaresma é conversão, mudança interior, avanço no conhecimento e amor de Cristo. É um processo contínuo que a cada dia nos aproxima mais do Criador. É reconhecermo-nos criaturas, constatando que Deus não é uma força cósmica (como muitos desejam nos fazer crer), e sim alguém com quem podemos falar; alguém que nos ouve e, principalmente, alguém que nos ama e por isso nos criou. Citando Bento XVI: “O ser humano não é o arquiteto do próprio destino. Nós não criamos a nós mesmos.” Portanto, conversão é rendição; aceitar que somos criaturas e que dependemos totalmente de nosso Deus Criador.

Todos os anos, o período quaresmal nos convida à reflexão e à ação. A Igreja nos propõe alguns exercícios específicos que auxiliam no processo de conversão e renovação interior. São: o jejum, a esmola e a oração. Rememorando nossa vida acadêmica, percebemos que os exercícios sempre tiveram fundamental importância na fixação dos conteúdos e na aprendizagem de conceitos. Pois bem, de volta ao presente e estabelecendo um paralelo com o momento atual, eles continuam sendo a melhor forma de assegurar a verdadeira conversão.

Ninguém está livre da tentação e do pecado. Os exercícios quaresmais têm o condão de nos armar espiritualmente para vencer o mal e sua influência em nossas vidas, auxiliando-nos a combater o egoísmo e a indiferença face aos demais.

Diferentemente dos meios de comunicação, a Igreja nos convida ao jejum não por motivações estéticas, mas objetivando a purificação interior e o treinamento da saudável renúncia que liberta o indivíduo de suas más tendências. Muitos dos que convivem com dependentes de álcool e drogas sabem avaliar os efeitos de um vício no comportamento daqueles que amam. Exercitar a renúncia auxilia no estabelecimento da vontade firme e domínio interior, determinantes na superação de quaisquer dependências.

Muitos aproveitam a quaresma para fazer o jejum relacionado a características ou situações corriqueiras, mas que atrapalham no dia a dia. Exemplificando, o jejum da língua é uma delas. As pessoas se comprometem a não fazer intrigas ou maldizer alguém. Também podem evitar discussões contando até dez antes de falar. O jejum de pensamentos é outro exemplo. Nesse caso, a pessoa se esforça para ter pensamentos bons e agradáveis mesmo em relação aos desafetos. Tais métodos fortalecem o exercício de nosso livre arbítrio em praticar o bem.

A esmola, no sentido em que é empregada pela Igreja, traduz a mais pura expressão da caridade, distinguindo-se da filantropia que objetiva o reconhecimento e o destaque. A prática da esmola, além de nos libertar do apego aos bens materiais, representa um meio legítimo de socorrer os necessitados. Não podemos nos esquecer que, de acordo com o ensinamento bíblico, somos apenas administradores dos bens que possuímos, devendo prestar contas ao Senhor de tudo que colocou em nossas mãos para ser partilhado.

Muitos há que preocupam-se apenas em vangloriar-se com suas ofertas, humilhando os menos favorecidos. Estes estão à margem da lógica cristã que nos convida a transcender a dimensão meramente material, experimentando a alegria em dar e um aprofundamento de nossa vocação cristã, sinal verdadeiro de nossa fé em Deus e coerente expressão do seguimento de Jesus.

A oração é nossa linha direta com o Senhor. É o meio através do qual tomamos consciência do que Ele deseja de nós. É o exercício do diálogo com o Criador, Aquele que melhor nos conhece e sabe o caminho para a nossa felicidade e salvação. É certo que muitos de nós só sabem se lamentar e fazer pedidos, esquecendo-se de agradecer pelas numerosas dádivas ou colocar-se à disposição para o serviço do reino.

Orar pressupõe crer que alguém nos ouve e pode nos auxiliar. É no próprio exercício da oração que vamos encontrando respostas para as nossas inúmeras perguntas. A proximidade com Deus nos faz confiantes e menos temerosos em relação ao futuro. O sincero desejo em imitá-lo nos leva deliberadamente a rejeitar o mal e buscar o bem.

Quaresma é conversão. Despojamo-nos cada vez mais do homem velho para vivenciar a renovação que vem da proximidade com o Senhor, Aquele que nos guia com seus próprios olhos.

Quaresma é rendição. Entregamo-nos nas mãos do nosso Criador, certos de que Ele sabe o que é melhor para nós. Deixamos de buscar nossas próprias conveniências e aceitamos servir com alegria e gratidão a Aquele que tudo nos deu e a quem tudo pertence.

Quaresma é estabelecimento e vivência de compromissos específicos: jejum, esmola, oração. Ocasião propícia para aprofundar o sentido e o valor do “ser cristão”, tirando o foco do “eu” para direcioná-lo ao “outro”, principalmente o menos favorecido.

Transpondo tudo isso para nossa realidade, gostaria de sugerir que as pessoas voltem a frequentar regularmente as missas, pois a escuta da Palavra e a Comunhão podem assegurar verdadeiros milagres em nossas vidas. É dessa forma que Deus se comunica conosco. O comodismo não pode nos afastar do contato com o nosso Criador. Lembremo-nos que tudo é dádiva de Deus e precisamos agradecer.

Voltando ao cata-vento, ele ainda se compraz com a brisa e se agita alegremente. Gostaria de concluir afirmando que o Senhor é o sopro sem o qual nós (cata-ventos) desfalecemos e perdemos todo o movimento. Assim convido a todos para a realização dos exercícios quaresmais, na certeza que irão nos assegurar maior tenacidade e fibra diante dos desafios cotidianos.


MARIA REGINA CANHOS VICENTIN 
Natural de Jaú/SP. Formou-se em Psicologia pela USP de Ribeirão Preto e em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru. Especializou-se em Educação pela Faculdade Claretianas de Batatais. Psicóloga Judiciária no Fórum da Comarca de Jaú. Profissional Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Jurídica.Autora dos livros: Buscando a Felicidade (Ed.Celebris), Sementes de Esperança (Ed.Santuário), Temas do Cotidiano (Ed.Santuário), e Superdicas para ser feliz no amor (Ed.Celebris). Agente de Pastoral da Evangelização da Paróquia de São João Batista em Jaú (SP) escreve regularmente para diversos jornais; entre eles, Folha da Região (Araçatuba – SP) e O Lutador (Belo Horizonte – MG), além da Revista O Mensageiro de Santo Antônio (Santo André – SP), e Família Cristã Online (São Paulo – SP). 
Email: contato@mariaregina.com.br 
Site: www.mariaregina.com.br 

MARIA REGINA CANHOS VICENTIN 
contato@mariaregina.com.br
 

Q U A R E S M A


Origem, história e espiritualidade da Quaresma
 

Pode-se entender melhor o significado da Quaresma, decidida pelo Vaticano II,conhecendo a história deste tempo litúrgico.A celebração da Páscoa, nos três primeiros séculos da Igreja, não tinha um período de preparação. Limitava-se a um jejum realizado nos dois dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente o empenho cristão, até o testemunho do martírio , que não sentia a necessidade de um período de tempo para renovar a conversão já acontecida com o batismo.
 


Ela prolongava, porém, a alegria da celebração pascal por cinqüenta dias ( Pentecostes). Após a Paz de Constantino, quando a tensão diminuiu no empenho da vida cristã, começou-se a perceber a necessidade de um período de tempo para admoestar os fiéis sobre uma maior coerência com o batismo.Nascem assim as prescrições sobre um período de preparação à Páscoa. 

No Oriente, encontramos os primeiros sinais de um período pré-pascal, como preparação espiritual à celebração do grande mistério, no princípio do século IV. Santo Atanásio nas "Cartas pascais" (entre os anos 330 e 347), São Cirilo de Jerusalém nas Protocatequeses e nas Catequeses mistagógicas (347), fala desse período como realidade conhecida. Eusébio (+340) em De solemnitate paschali fala do "quadragesimo exercitium......santos Moyses e Eliam imitantes" (Cf. PG 24,697).

No Ocidente, temos testemunhos diretos somente no fim do século IV. Falam desse período Etéria (385) em seu Itinerarium (27,1) pela Espanha e Aquitânia; Santo Agostinho para a África; Santo Ambrosio (+ 396) para Milão. Não sabemos com certeza onde, por meio de quem e como surgiu a Quaresma, sobretudo em Roma; apenas sabemos que ela foi se formando progressivamente. Ela tem uma pré-história , ligada a uma praxe penitencial preparatória à Páscoa, que começou a firmar-se desde a metade do século II. Até o século IV, a única semana de jejum era aquela que precedia a Páscoa . Na metade do século IV, já vemos acrescentadas a esta semana outras três, compreendendo assim quatro semanas.A partir do fim do século IV, a estrutura da Quaresma é aquela dos "quarentas dias", considerados à luz do simbolismo bíblico, que dá a este tempo um valor salvífico-redentor, cujo sinal é a denominação "sacramentum".

Celebrar a Quaresma é portanto, reconhecer a presença de Deus na caminhada, no trabalho, na luta, no sofrimento e na dor da vida do povo.Como o povo de Israel, que andou 40 anos no deserto antes de chegar à terra prometida, terra da promessa onde corre leite e mel. Como Jesus, que passou quarenta dias de retiro no deserto antes de anunciar a vinda do Reino.Que subiu a Jerusalém para cumprir a missão que o Pai lhe confiou: dar a sua vida e ser glorificado.A Quaresma, e isso é bem evidenciado na sua história, é um tempo forte de conversão e de mudança interior, tempo de deixar tudo o que é velho em nós, tempo de assumir tudo o que traz vida para a gente.Tempo de graça e salvação, em que nos preparamos para viver, de maneira intensa, livre e amorosa, o momento mais importante do ano litúrgico, da história da salvação, a Páscoa, aliança definitiva, vitória sobre o pecado, a escravidão e a morte. A espiritualidade da quaresma é caracterizada também por uma atenta, profunda e prolongada escuta da Palavra de Deus. É esta Palavra que ilumina a vida e chama à conversão, infundindo confiança na misericórdia de Deus.O confronto com o Evangelho ajuda a perceber o mal, o pecado, na perspectiva da Aliança, isto é, a misteriosa relação nupcial de amor entre deus e o seu povo. Motiva para atitudes de partilha do amor misericordioso e da alegria do Pai com os irmãos que voltam convertidos. Fazer da Quaresma um tempo favorável de avaliação de nossas opções de vida e linha de trabalho, para corrigir os erros e aprofundar a vivencia da fé, abrindo-nos a Deus, aos outros e realizando ações concretas de fraternidade, de solidariedade. 

                                                                                 Padre Gian Luigi Morgano