Quando olho para esta crise civilizacional que estamos vivendo e para os sofrimentos que dilaceram a vida de tantos irmãos e irmãs nas periferias deste mundo, percebo o quanto nos distanciamos de nós mesmos e de Deus, razão maior de nossa existência. Trilhamos caminhos tortuosos e obscuros, nos esquecemos daquilo que nos humaniza, deixamos com que as cinzas do materialismo e do consumismo diminuíssem o brilho da centelha divina que ainda fumega em nós(...) Vaidade e presunção pensar que nos bastaríamos e que poderíamos alcançar a felicidade as custas da dor e da miséria de tantos. Se nós pudéssemos sentir, viver mesmo que por alguns instantes, as mesmas amarguras daqueles que vivem nos porões da humanidade, talvez entenderíamos que o essencial da fé cristã não é a observância cega de preceitos e ritos, mas a capacidade de amar o outro como Cristo amou e ser na vida dele um sinal de Ressurreição.
Burocratizamos e mumificamos de tal maneira nossa vida cristã que acabamos perdendo a espontaneidade própria dos filhos de Deus, a admiração e o enamoramento daqueles que se apaixonam por um nobre ideal. A evangelização precisa estar impregnada de paixão pelos valores do Reino, de fascínio e encantamento pelo projeto libertador de Jesus Cristo, daquela perfeita alegria descrita de maneira tão profunda por São Francisco de Assis. Esse encontro de amor com Deus, São João da Cruz descreveu de forma cristalina em seu cântico espiritual:
"Mostra a tua presença! Mata-me a tua vista e formosura;
olha que a doença de amor não se cura
senão com a presença e a figura."
A indiferença para com as minorias distorce o verdadeiro sentido da evangelização, é transformar o Evangelho e a mensagem de Jesus num grande "faz de conta". Quando agimos assim, sepultamos o Deus vivo e transformamos o nosso batismo num mero ritualismo inexpressivo. O emudecimento de alguns movimentos da Igreja, por exemplo, diante da horrenda desumanidade que grassa nesta sociedade é algo execrável e vergonhoso. Quem tem ouvidos, ouça! É hora de reavivar a nossa experiência com Deus, reacender a luz inconfundível de Cristo que ilumina a escuridão do nosso individualismo e romper com a visão míope que temos sobre a nossa atuação na sociedade.
Em vez de burocratas do sagrado, precisamos de homens e mulheres capazes de escutar os clamores de seu povo e agir em favor dele. Os leigos e leigas devem almejar essa maturidade na fé, romper com todo modelo eclesiológico piramidal que ainda persiste em algumas paróquias e comunidades para viverem plenamente a sua vocação e identidade eclesial. Precisamos transcender a nossa visão a respeito de Cristo, nos esforçarmos para compreendermos as suas escolhas, os seus conflitos e opções. Só assim, poderemos repetir com convicção as palavras do apóstolo Paulo: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gal 2, 20).
Por César Augusto Rocha - coordenador do Conselho Diocesano de Leigos/as
Nenhum comentário:
Postar um comentário