sábado, 9 de março de 2013

Quarto domingo da quaresma




 Pe. Amaro Gonçalo
1. E chegar a bom porto é atracar, com todas as nossas lágrimas, com todas as nossas aventuras e desventuras, no oceano infinito do amor do Pai, onde pousa e repousa o nosso coração inquieto! Não conheço mais bela radiografia do coração de Deus, do que esta do Pai, que nos vê ao longe e nos recebe num abraço interminável de amor. Nesta parábola, Jesus pinta-nos o retrato deste Pai, «que está nos céus», muito acima da nossa medida, de tal modo que, olhando para Jesus, para o seu modo de acolher os pecadores e de comer com Eles, os seus contemporâneos cheguem a dizer: «Tal Pai, tal Filho». «Pai» é, de facto, o nome novo, com que Jesus nos ensinou a relacionarmo-nos, com Deus, e a voltarmo-nos para Ele, na oração, humilde e confiante, do Pai-Nosso. E todos nós, cada vez que professamos a fé da Igreja, dizemos quase tudo, logo no primeiro artigo do credo, quando exclamamos: creio em Deus Pai.
2. Esta serena palavra «pai» não está hoje isenta de ambiguidades. “Hoje, nem sempre é fácil falar de paternidade. Sobretudo no nosso mundo ocidental, as famílias desagregadas, os compromissos de trabalho cada vez mais exigentes, as preocupações, e muitas vezes a dificuldade de adaptar os balanços familiares, e a invasão distraída dos mass media no interior da vida quotidiana, são alguns dos numerosos fatores que podem impedir uma relação tranquila e construtiva entre pais e filhos. Às vezes a comunicação torna-se difícil, a confiança diminui e o relacionamento com a figura paterna pode tornar-se problemático; e assim, na ausência de um modelo de referência adequado, é difícil também imaginar Deus como um Pai. Para quantos fizeram a experiência de um pai demasiado autoritário e inflexível, ou indiferente e pouco carinhoso ou até mesmo ausente, não é fácil pensar com serenidade em Deus como Pai e abandonar-se a Ele com confiança” (Bento XVI, Audiência, 30.01.2013). Chega-se mesmo a falar de uma espécie de evaporação do pai (Jacques Lacan), na cultura atual, apostada em renegar as suas origens, em libertar-se de uma “autoridade transcendente”, de quem estamos sempre a suspeitar que nos pode diminuir com o seu poder.
3. Por isso, precisamos aqui de ressalvar um aspeto: a imagem do Pai, que Jesus nos revela, não é decalcada de nenhum pai, mais ou menos bom, deste mundo. Pelo contrário, cada pai, neste mundo, é que pode aproximar-se, mais ou menos, da imagem do único Pai, que é bom, e que Jesus nos mostra, em tudo o que é, em tudo o que diz, em tudo o que faz. Por isso, disse Tertuliano, e muito bem: “Deus é Pai e ninguém é tão Pai como Ele” (CIC 239). Se queremos, pois, conhecer o rosto deste Pai, se queremos entrar no coração de Deus, é para Jesus, que devemos olhar, é a Jesus que devemos ouvir, é por Jesus que devemos ir, pois Ele mesmo nos disse: «Quem me vê, vê o Pai. Eu e o Pai, somos um» (Jo.14,8). Em boa verdade, Jesus revela-nos um Deus, que é Pai, em sentido inédito! Não é «pai», apenas no sentido de que é o Criador, “a origem primeira de tudo, a autoridade transcendente de tudo quanto existe” (CIC 238). Ele é o Pai, que gera eternamente, no amor, o Filho, Jesus Cristo. E Jesus é o Filho, muito amado, no qual se vê, de modo humano, a imagem do Deus invisível (cf. Col.1,15).
4. Mas a parábola mostra-nos, em toda a crueza, o drama da rejeição do Pai! Um Pai rejeitado, quer pelo filho mais novo, que o vê, como um limitador da sua autonomia e liberdade, quer pelo filho mais velho, que vê o pai como um patrão severo, a quem servir. Nisto, o filho mais velho e o filho mais novo são iguais, e a sua figura é um exemplar duplicado, da mentalidade do nosso tempo, que olha para Deus, como concorrente da liberdade humana, um Deus castrador do desejo, um Deus empecilho das nossas aventuras mais felizes.
5. Mas não. Jesus revela-nos um Deus, que é, no fundo, o nosso cais de partida e o nosso cais de chegada, a nossa origem e a nossa pátria, é mesmo o ar e o mar, o oceano infinito de amor, no qual nos “movemos, somos e existimos” (At.17,28). Sobretudo em momentos de desventura, de abandono, de tristeza, e no contacto com o mistério da morte, renasce, do fundo do nosso coração, o pressenti­mento e a saudade de um Outro, de Alguém que nos possa acolher, e fazer com que nos sintamos amados, para além de tudo, e apesar de tudo. Ressurge, em nós, no abismo da solidão, a nostalgia do Pai, a saudade da Mãe, esse “cais de partida para a vida” (M. Eulália Macedo). O Pai é, neste sentido a imagem de Alguém, em quem podemos confiar sem reservas, o porto seguro,onde re­pousar dos nossos cansaços, cientes de não sermos re­jeitados. Deus é o Pai em cujos braços estamos a salvo. E é também, como a Mãe, Aquele em quem podemos ancorar a vida, que Ela própria nos deu. Voltar para o Pai, partir e regressar a casa, é, portanto, voltar à origem, reencontrar o seio materno, a pátria, a casa, o lar, o coração, onde cabe tudo o que somos. Neste sentido, «o fim da nossa viagem é - no fim de contas- chegar ao ponto de partida e, pela primeira vez, conhecer o seu lugar» (T.S. Eliot).

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